Há uns dias, um empresário de uma PME de consultoria contou-me que a sua empresa cresceu de 15 para 40 pessoas em dois anos. Boas notícias, certo? Sim e não. Porque o backoffice continuava a funcionar como quando eram 15. A pessoa de RH passava três dias a preparar cada nova contratação. O suporte ao cliente tinha filas de tickets por responder. O comercial passava 10 horas por semana só a marcar reuniões.
“Preciso de contratar mais três pessoas só para gerir o crescimento”, disse-me. “Mas isso significa mais custos fixos, mais gestão, mais complexidade. E se o crescimento abrandar?”
Este é o dilema clássico das PME portuguesas: crescer aumentando headcount é caro e arriscado. Não crescer é perder competitividade. A terceira via, automatizar operações de forma inteligente, existe tecnologicamente há anos. Mas só agora se tornou realmente acessível para empresas com 20, 50, 100 pessoas.
E aqui está a questão que ouço constantemente: “Será que isto é para mim? Ou é só para grandes empresas com orçamentos de tecnologia?”
A resposta tem nuances e, por isso, não se limita a um simples sim ou não. São essas nuances que tentarei revelar neste artigo.
O dilema é real: 42% das empresas portuguesas apontam a escassez de talento como o principal obstáculo ao crescimento. Ao mesmo tempo, as margens estão sob pressão e a necessidade de fazer mais com menos é constante. Contratar mais nem sempre é a solução. Automatizar de forma inteligente pode ser.
AI Agents e Agentic AI: da execução de tarefas aos objetivos de negócio
Vamos começar por uma distinção essencial, mas que ainda gera muita confusão: a diferença entre o papel de um AI Agent e um sistema de Agentic AI.
AI Agent (Agente IA) é, na prática, um especialista muito focado. Executa uma tarefa específica e fá-lo bem: responde a pedidos de clientes, classifica e-mails, preenche formulários, gera relatórios ou agenda reuniões. O agente recebe uma tarefa, executa-a dentro de um âmbito bem definido e devolve o resultado. É simples, previsível e eficaz.
Agentic AI é outra coisa. Surge quando vários destes agentes trabalham em conjunto, coordenados por um sistema que compreende objetivos de negócio mais amplos. Este sistema não se limita a executar tarefas isoladas: orquestra agentes, toma decisões em tempo real, adapta-se ao contexto e persegue objetivos complexos. Consegue decompor um objetivo estratégico em subtarefas, delegá-las a agentes especializados, acompanhar o progresso e ajustar o plano quando necessário.
A diferença prática é clara. Um agente IA trata um ticket de suporte. Um sistema agentic redesenha todo o processo: prioriza pedidos por urgência e valor, identifica oportunidades de upsell, atualiza automaticamente o CRM, agenda follow-ups e mede a satisfação do cliente.
O agente resolve uma tarefa; o sistema agentic atinge um objetivo de negócio.
Para muitas PME, isto é verdadeiramente transformador. Porque o objetivo não é apenas reduzir o trabalho manual, mas criar operações que se auto-otimizam, tomar decisões baseadas em dados e promover crescimento sustentável, sem necessidade de triplicar a equipa.
Por onde começar: as operações que fazem sentido.
Há três áreas onde vejo que uma PME pode obter ganhos quase imediatos com Agentes IA.
- Operação interna
Comecemos pelo mais “chato”, mas também pelo mais eficaz: a extração de dados de faturas. Um agente consegue ler centenas de faturas por dia e extrair automaticamente NIF, montantes e datas, com níveis de precisão superiores a 95%, alimentando o ERP ou o software de contabilidade. Na prática, isto traduz-se numa redução de 25 a 50% dos custos em tarefas administrativas repetitivas. Já vi PME libertarem dois ou três colaboradores para trabalho de maior valor.
Outro exemplo claro é o onboarding de novos colaboradores. Um conjunto de agentes orquestrados pode criar contas em Google Workspace, Slack e sistemas internos, gerar contratos para assinatura eletrónica, enviar comunicações de boas-vindas e agendar formações. O resultado são 2 a 3 horas poupadas por nova contratação. Numa PME em crescimento, isso escala rapidamente.
- Vendas e marketing
Aqui o impacto tende a ser ainda mais visível. Um assistente de vendas no website consegue qualificar leads em tempo real, responder a dúvidas técnicas, agendar reuniões e integrar-se diretamente com o CRM. Num caso concreto de uma consultora com cerca de 20 a 30 colaboradores, os resultados em três meses foram claros: mais 40% de reuniões qualificadas agendadas via website, menos 15 horas semanais em tarefas manuais de marcação e um aumento de 25% na conversão de visitas em oportunidades de venda. - Suporte ao cliente
Talvez o domínio mais próximo de uma verdadeira mudança estrutural. Um agente não se limita a responder perguntas: resolve problemas. Pode redefinir passwords, processar reembolsos, agendar técnicos e interagir com CRM, faturação e bases de dados internas. Os números que vejo repetirem-se são consistentes: até 80% de redução no tempo de resolução, cerca de 50% de self-service por parte dos clientes e um aumento significativo da satisfação das equipas internas, que deixam de passar o dia em tarefas repetitivas.
Nada disto é ficção. É realidade em Portugal, hoje. Mas há uma condição essencial para tudo funcionar: dados de qualidade.
Os dados como ativo competitivo (e por que é que muitas PME estão às cegas)
Em Portugal, 99,9% do tecido empresarial é composto por PME. Estas empresas geram cerca de dois terços do valor acrescentado e mais de 70% do emprego. Ainda assim, muitas têm dificuldade em crescer e apenas uma minoria consegue escalar de forma sustentada. Porquê? A resposta não está na falta de ambição, numa qualquer crise ou em caprichos de gestão. O problema é estrutural. Muitas operações continuam desenhadas em torno de pessoas e não de dados. Quando tudo depende do “eu sei, porque estou aqui há dez anos”, automatizar torna-se difícil, escalar torna-se complexo e aplicar IA torna-se quase impossível.
Pensemos, por exemplo, numa PME de consultoria com dados dispersos: propostas em Word, timesheets em folhas de cálculo, histórico de clientes em Excel, conversas em Gmail e contratos espalhados por várias pastas no Dropbox. Quando surge um novo cliente e alguém pergunta “quanto custou este tipo de projeto da última vez?”, a resposta não aparece rapidamente, porque a informação está fragmentada, em locais e formatos diferentes (quando existe sequer). Agora imagina tentar aplicar um AI Agent para melhorar a atividade comercial ou prever margens. O agente precisa de ler dados históricos, identificar padrões e recomendar preços. Mas fica perdido. Não por falta de inteligência, mas porque os dados estão fragmentados.
Preparar uma empresa para IA começa, portanto, por organizar os dados. Isso passa por consolidar informação dispersa em ERP, CRM ou outras estruturas consistentes, definir indicadores-chave alinhados com os objetivos de negócio, garantir uma governação clara – quem acede, quem valida, como se elimina e assegurar segurança e conformidade com o RGPD. Só depois faz sentido ligar agentes capazes de ler, escrever e agir com base nessa informação.
E há financiamento para apoiar este caminho. A linha “Inteligência Artificial nas PME” do PRR financia até 75% a fundo perdido, até um máximo de 300 mil euros por empresa, para projetos de integração de IA nos processos, incluindo consultoria em dados, software, equipamentos e contratação de talento dedicado. Isto reduz significativamente a barreira de entrada e torna a decisão de começar muito mais acessível.
A infraestrutura: como é que os agentes realmente trabalham
Há um detalhe técnico que importa compreender se queres perceber como tudo isto escala: o Model Context Protocol (MCP).
Um AI Agent é apenas potencialmente útil. Para gerar valor real, precisa de aceder a dados, ferramentas e sistemas internos. Um agente que não consegue ler o CRM, consultar a base de dados de produtos, escrever um e-mail ou atualizar um calendário pode ser inteligente, mas é impotente. Este problema surgiu rapidamente na indústria: como permitir que um agente aceda, de forma segura, normalizada e escalável, a sistemas tão diferentes entre si? Cada empresa usa ferramentas distintas (Salesforce, HubSpot, CRMs custom) e cada uma expõe APIs diferentes. Se, para cada novo agente e cada nova ferramenta, for necessária uma integração feita à medida, a complexidade explode.
É aqui que entra o MCP. Trata-se de um protocolo aberto criado pela Anthropic, frequentemente descrito como o “USB-C da IA”. O MCP define uma forma padrão para que agentes possam pedir dados ou executar ações nos sistemas de uma empresa. Um MCP server expõe dados e ferramentas de forma segura, enquanto o agente, como MCP client, consome essas capacidades através de uma interface comum. Na prática, isto muda tudo. Quando decides implementar um novo agente, o caminho torna-se muito mais rápido. Em vez de integrar separadamente com o CRM, o ERP ou o calendário, descreves simplesmente o que o agente precisa de fazer e o MCP trata das ligações. O modelo é modular, escalável e seguro, porque define permissões claras à partida.
Não por acaso, a OpenAI, a Microsoft, a Google e a Anthropic adotaram o MCP como padrão. Em dezembro de 2024, a Anthropic doou o protocolo à Agentic AI Foundation, sob a alçada da Linux Foundation. Isto sinaliza uma convergência clara da indústria para um modelo em que os agentes são agnósticos das ferramentas, desde que estas exponham um MCP server.
Para as PME, isto tem implicações muito concretas. Ao escolheres um fornecedor de IA ou um integrador, podes e deves perguntar: “suportam MCP?”. Se a resposta for sim, a integração será mais rápida, mais segura e mais escalável. Se for não, ficas preso a integrações ponto-a-ponto que, mais cedo ou mais tarde, se tornam caras e difíceis de manter.
A infraestrutura de quem disponibiliza: Integradores portugueses e o mercado
À volta destes “motores” globais (OpenAI, Microsoft, Google, Anthropic), estão a surgir em Portugal consultores, agências e integradores que:
- Entendem a realidade das PME portuguesas (maturidade de dados, know-how técnico limitado, budget);
- Adaptam modelos de IA à realidade de cada empresa;
- Ajudam em conformidade, segurança, e integração com sistemas legados;
- Oferecem ofertas verticais por setor (IA para consultoria, retail, industriais, etc.).
A Jelly trabalha com PME portuguesas nesta jornada: diagnostica oportunidades de IA, implementa pilotos, garante a integração com sistemas internos e forma equipas internas. Isto é o mercado a começar a estruturar-se.
O ponto importante: não precisas fazer isto sozinho. E a maioria das PME não consegue. É complexo, é novo, é arriscado. Mas tens parceiros disponíveis em Portugal que já fizeram isto para outras empresas.
O que as PME precisam de fazer: de hoje para amanhã
Se és empresário de uma PME e leste isto e pensas “ok, talvez isto seja para mim,” o que fazes a partir de hoje?
Primeira coisa: diagnosticar.
Senta-te com a tua equipa e olha para os processos.
Qual é o trabalho que consome mais horas, que é repetitivo e que gera frustração? Pode ser suporte ao cliente (centenas de tickets por semana), triagem de candidatos (dezenas de CVs) ou processamento de faturas (horas de RH por semana). Identifica 3 a 5 desses processos.
Depois, faz uma auditoria de dados.
Onde estão os teus dados? Em sistemas centralizados ou dispersos? Que qualidade têm? Consegues extrair informação de forma fiável?
Segunda coisa: começar pequeno.
Não tentes resolver tudo de uma vez.
Escolhe um processo com impacto claro. De preferência, algo em que já tenhas dados. Começa com um piloto de 2 a 3 meses, medindo impacto real: tempo economizado, redução de erros e satisfação.
E aqui entra o financiamento.
A linha “Inteligência Artificial nas PME” do PRR financia até 75% a fundo perdido para projetos de implementação de IA, incluindo consultoria, software, equipamentos, formação e a contratação de até 2 técnicos dedicados. Isto reduz drasticamente o risco financeiro.
Terceira coisa: Pensar em integração e escalabilidade desde o desenho.
Não implementes um agente em silos.
Pensa: como é que isto se liga ao resto da operação? O agente consegue ler o CRM? Consegue escrever na base de dados? Consegue chamar APIs externas? Se a resposta for “não, foi tudo custom”, eventualmente isso vai ser caro de manter.
Por isso, quando escolhes um fornecedor ou integrador, pergunta sobre MCP, sobre padrões de integração e sobre escalabilidade. Isto vai poupar-te milhares de euros no futuro.
Quarta coisa: desenvolver talento.
Isto é crítico.
Não precisas de 10 engenheiros de machine learning, mas precisas de 1 ou 2 pessoas que compreendam: como desenhar processos para IA, como escrever briefings para agentes, como validar resultados e como supervisionar sistemas autónomos. Isto é talento híbrido: pessoas de negócio com compreensão técnica ou pessoas técnicas com mentalidade de negócio.
E forma a tua equipa.
Fala sobre oportunidades em IA, sobre limites e sobre questões éticas. Isto reduz o medo e aumenta a adoção responsável.
Quinta coisa: escolher bem os parceiros.
Na maioria dos casos, não consegues fazer isto sozinho.
Vais precisar de parceiros: fornecedores de tecnologia (como OpenAI, Microsoft ou Google), integradores que compreendam a tua realidade e consultores com experiência em dados e implementação. Escolhe bem. Opta por parceiros que demonstrem experiência prática, que ofereçam documentação clara e que garantam suporte contínuo ao longo do tempo.
Dados, tecnologia, pessoas: a sinfonia de crescimento
Deixa-me ligar os pontos.
Há um padrão claro nas PME que conseguem escalar com IA. Não é “temos o software mais fixe”, mas sim “temos os dados organizados, escolhemos a tecnologia com critério e desenvolvemos pessoas internamente”.
Isto é uma sinfonia, e cada instrumento precisa de estar afinado.
Os dados são o coração. Sem dados de qualidade, nenhum agente funciona. A tecnologia é o instrumento. OpenAI, Microsoft, Google e Anthropic estão a cofundar a Agentic AI Foundation para desenvolver padrões abertos, o que significa que, no futuro, haverá mais interoperabilidade, menos lock-in e mais liberdade de escolha.Mas as pessoas são o maestro. É o empresário, a equipa ou o gestor de projeto que pergunta: “Como é que isto ajuda o nosso negócio? Que risco estamos dispostos a aceitar? Como ensinamos os clientes? Como protegemos a qualidade?”
Uma PME que fizer isto bem não será apenas mais eficiente, será mais resiliente, mais ágil e, paradoxalmente, mais humana porque liberta pessoas de tarefas repetitivas para se focarem no que realmente acrescenta valor: criatividade, julgamento e relação humana.
Última palavra
Há dez anos, falava-se muito em “transformação digital”. Muitos empresários não percebiam bem o que isso significava. Alguns achavam que bastava “ter um site”, outros simplesmente nunca fizeram nada. Os que entenderam e agiram estão hoje muito à frente. Agora falamos de “inteligência artificial” e o cenário repete-se. Há confusão, expectativas irrealistas e também medo. Uns pensam que é “ChatGPT para tudo”, outros preferem não mexer no tema.
A verdade, no entanto, é simples: a IA é uma ferramenta. E, como qualquer ferramenta, o valor que dela se retira depende de como é usada, com que intenção e com que preparação. As PME portuguesas que perceberem isto hoje, que organizarem os seus dados, escolherem bem a tecnologia e desenvolverem talento interno, serão a referência dentro de cinco anos.
Não se trata de “ser o primeiro”, mas de ser sério e querer fazer bem.
Se és empresário de PME e tens ambição de escalar, começa hoje. Com consultores, com parceiros, com integradores especializados. Mas começa.
Gonçalo Malho Rodrigues trabalha na interseção entre estratégia, tecnologia e criatividade. Fundador da Jelly Digital Agency, da Stronddo e da Scallent, desenvolveu a The Change Framework para ajudar líderes a mobilizar equipas em torno de uma causa.





