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Jelly – Digital Agency

A ascensão da inteligência artificial generativa está a reconfigurar o cenário criativo. Textos, imagens, músicas e até vídeos inteiros são hoje gerados com base em simples prompts. Mas há uma questão que continua sem resposta definitiva: quem é o autor de uma obra criada por uma máquina?

Mais do que um debate legal, esta é uma questão ética e cultural que atravessa fronteiras criativas e desafia os modelos de negócio das indústrias criativas. E se, num primeiro momento, tudo parecia inovação promissora, hoje percebe-se que os riscos da apropriação e da desvalorização da autoria humana são demasiado reais para serem ignorados.

IA como ferramenta ou como autora?

A distinção entre utilizar a IA como ferramenta ou considerá-la a verdadeira criadora de uma obra tem implicações profundas. Atualmente, a maioria dos sistemas legais, incluindo os da União Europeia e dos Estados Unidos, estabelece que apenas humanos podem deter direitos de autor. A IA, por mais sofisticada que seja, não possui personalidade jurídica nem consciência.

Assim, o crédito recai normalmente sobre o utilizador humano: quem fornece o input, ajusta parâmetros ou escolhe o output final. Mas será esse controlo suficiente para justificar o estatuto de autor? E se o contributo humano for mínimo?

Casos recentes que levantam dúvidas

À medida que as ferramentas de IA generativa se tornam mais acessíveis, os casos controversos multiplicam-se. Estas situações não só expõem lacunas legais como revelam o desequilíbrio crescente entre inovação tecnológica e proteção dos direitos criativos.

1.Livros gerados por IA: autoria ou operação?

Em 2025, multiplicaram-se os relatos de utilizadores que publicaram livros inteiros no Amazon KDP, criados com ferramentas como Sudowrite ou Writesonic. Com um simples prompt – “escreve um romance histórico com uma protagonista feminina que viaja no tempo para o século XIX” – são geradas centenas de páginas em minutos.

Críticos apontam que isto configura um tipo de “fabricação de autoridade intelectual”: o utilizador apresenta-se como autor, mas a criação é quase totalmente algorítmica, sustentada por modelos treinados com décadas de literatura escrita por outros. A IA aprende a escrever lendo os verdadeiros autores e nunca os cita.

2. A indústria musical e a explosão de músicas deepfake

Em plataformas como o TikTok e o Spotify, começaram a surgir músicas geradas por IA com vozes imitadas de artistas reais. Em 2024, a canção “Heart on My Sleeve” tornou-se viral ao simular Drake e The Weeknd, sendo rapidamente removida após queixas da Universal Music.

Em 2025, ferramentas como Suno AI e Udio permitiram criar faixas inteiras com identidades vocais replicadas. Isto gerou um novo dilema jurídico: a voz é um bem autoral? Como se protege uma identidade sonora num mundo onde qualquer um a pode replicar com software?

3. Moda, design e o plágio algorítmico

O design visual também está a ser profundamente afetado. Em 2025, uma designer espanhola viu o seu padrão têxtil, criado anos antes, ser replicado quase na íntegra numa peça de vestuário criada com o Midjourney. A marca alegou que o design foi “gerado de forma original”. A IA, como sempre, nada explicou.

Este caso é sintomático de um fenómeno mais amplo: a IA não cria do zero, remistura o que já existe. E quando os modelos são treinados com datasets vastos e não regulamentados, estamos perante um sistema que normaliza o plágio disfarçado de eficiência.

Estes exemplos mostram que o problema não é a tecnologia em si, mas quem a controla e como é usada. Atualmente, as grandes plataformas tecnológicas concentram o poder, exploram dados criativos sem transparência e oferecem ferramentas que beneficiam os utilizadores finais, enquanto invisibilizam os autores originais.

A inovação está a ser construída sobre camadas de criatividade alheia não reconhecida. Como apontou Carlos A. Scolari, “os consumidores implícitos tornam-se produtores invisíveis” e isso nunca foi tão literal como agora.

O que está a ser feito?

Vários organismos internacionais estão a tentar acompanhar o ritmo da inovação. A U.S. Copyright Office já se pronunciou de forma clara: obras criadas exclusivamente por inteligência artificial não são elegíveis para registo de direitos de autor, a menos que haja intervenção criativa significativa por parte de um humano.

Na Europa, o Parlamento Europeu está a discutir o AI Act e propostas legislativas que incluem uma “licença obrigatória de treino de IA”. Esta medida obrigaria plataformas a compensar financeiramente os autores cujas obras fossem utilizadas para treinar modelos generativos – um passo importante, mas ainda longe de ser implementado.

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI/WIPO) alerta para a urgência de criar mecanismos globais de reconhecimento e compensação, sob pena de enfraquecer todo o ecossistema criativo a longo prazo.

A criatividade não está em risco, mas a justiça criativa sim. Numa era onde a IA pode gerar conteúdo indistinguível do humano, importa mais do que nunca definir quem tem direito à autoria, à remuneração e ao reconhecimento.

Na Jelly, este é um tema que não é apenas legal, é estratégico. Porque comunicar com impacto, no mundo digital de 2025, implica também estar do lado certo da inovação ética.